Histórias de Moradores do Mandaqui

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores do bairro da Brasilândia.

História do Morador: Sidnei Donizeti Zózimo da Costa
Local: São Paulo
Publicado em: 12/07/2005


 



História: Móveis na Teodoro Sampaio


Sinopse:

Identificação. Nascimento no interior do Estado e atividades do pai. A vinda para São Paulo e o bairro do Mandaqui. Os estudos e a banca de jornal. O trabalho de office-boy e a cidade de São Paulo. Mudança para Itaquaquecetuba e primeiros empregos em lojas de móveis. O aprendizado de vendas e promoções. O trabalho do vendedor. A ida para a Clamoi e o trabalho de gerência. A Rua Teodoro Sampaio e os móveis de estilo. A clientela. Sonhos.

História

IDENTIFICAÇÃO

Meu nome é Sidnei Donizete Zózimo da Costa. Minha data de nascimento é 4 de julho de 1957, eu nasci em São Manuel, no interior de São Paulo. Papai é Sebastião Zózimo da Costa, nasceu em Caratinga, Minas Gerais, mamãe, Ernestina Moreira da Costa, nasceu aqui em São Paulo mesmo, na capital. Eu nasci em São Manuel, e fiquei lá acho que três meses da minha vida. Papai foi trabalhar lá e terminou acho que em torno de três meses, no quarto mês, eu nasci. Mamãe já estava grávida, nasci e voltei pra São Paulo, que é onde eu fui criado, fui criado no Alto do Mandaqui. Até os 20, 25 anos da minha vida, a minha adolescência toda eu passei ali.

TRABALHO DOS PAIS

Meu pai era tratorista, fazia loteamento, apesar que no caso específico, em São Manuel, tem uma cidade vizinha, que hoje é até uma cidade turística aonde passa o rio Tietê. Então fizeram uma usina de cana de açúcar, essas coisas, onde se extrai álcool. Eu não me lembro direito o nome dessa usina, mas na cidade de Barra Bonita que é vizinha a São Manuel onde eu nasci. Então papai foi trabalhar nessa barragem, eu tive lá até dois meses atrás, e ficou uma coisa bonita lá, chega o navio, entra, sai do outro lado, fecha, ele sobe coisa de 40 metros, é bonito, muito bonito lá. Mas foi esse espaço de tempo, papai foi lá pra trabalhar barragem, depois voltou pra São Paulo, onde passamos a viver, a gente já morava aqui, ele foi lá só pra fazer esse trabalho dele, aí a gente voltou pra cá e foi onde eu me criei e cresci.

INFÂNCIA

A infância no Mandaqui foi roubando muita goiaba no quintal do vizinho, jogando bolinha, essas coisas, tive uma infância gostosa, uma infância boa, tinha muito espaço. O Alto do Mandaqui não era como hoje, eu me lembro que eu andava na Avenida Ultramarino de carrinho de rolimã...

Tinha uma descida. A Avenida Ultramarino hoje é um asfalto até lá em cima quase no Horto florestal, mas a gente descia, eu e os amiguinhos da época, descia de carrinho de rolimã ali, principalmente depois que asfaltaram e quebrou a ponte, uma ponte que ficou mais ou menos uns cinco anos pra arrumar, depois que arrumou acabou a graça porque não podia mais andar: começou a passar carro. Mas foi uma infância boa, foi gostoso ali. Eu tive é... nossa, só lembrar o tanto de camisa que eu perdi, tinha uma, hoje é Conjunto dos Bancários, então do lado, no fundo do Conjunto dos Bancários, tinha um lugar que era uma espécie de um sítio,e lá tinha um português que plantava muita coisa. Ele tinha jabuticabeira, goiabeira, pé de caqui. A gente juntava a molecada toda, ia lá roubar, e eu normalmente ia com a camisa da escola, parece que é tanto que a minha mãe falava: "Chega da escola, tira a camisa pra não estragar." E eu ia, então você pegava goiaba, aquela coisa toda e saia, tudo bem, mas sempre um gritava alguma coisa, fazia barulho, e ele tinha uma cachorra chamada Diana, não esqueço até hoje. Você saía correndo, mas não dava outra, parece que eu era escolhido, todo mundo pra pegar, mas ela ia em mim, aquela camisa novinha de escola, chegava em casa era uma surra. Mas era gostoso, era gostoso.

EDUCAÇÃO

Era um colégio. Tinha o Monteiro Lobato, que era do lado, era uma escola particular, paga, mas o que você aprendia no Almirante Visconde de Inhaúma talvez fosse até melhor que no Monteiro Lobato. E você tinha mais liberdade, não era aquela coisa muito presa porque era uma escola do governo, não era uma escola particular, mas era legal, era gostoso, eu gostei de estudar lá. Estudei ali no alto do Mandaqui mesmo. Na parte do dia é Almirante Visconde de Inhaúma, agora no noturno, que seria o ginásio, é Crispim de Oliveira, esse ginásio fica na Avenida Zunkeller. Fiz o colegial, depois é que fui estudar em Mogi. Estudei até, quantos anos eu tinha? Eu tinha 16 anos, quando fiz o colegial, 16 pra 17, foi até essa época que eu estudei ali.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Quando saí do colégio, eu já trabalhava, eu comecei muito cedo, comecei a trabalhar com sete anos, minha realidade é essa, eu vendia jornal, depois disso eu passei a ser office-boy. A realidade é a seguinte, tinha a Avenida Ultramarino, fizeram logo que começou a descer o ônibus até lá no alto do Mandaqui, porque o ônibus só vinha, ele subia até a padaria Flor do Mandaqui, ali na Zunkeller, dali, quem morasse mais pra baixo, aquela coisa toda, mesmo o Conjunto dos Bancários, quando fez, ainda não tinha ônibus. Então logo que começou a descer esse ônibus... Isso aí deve ter sido em 1967, 1968, por aí, eu me lembro porque em 1970 que teve a Copa, que o Brasil foi campeão, eu já trabalhava há uns dois anos, então que é que acontece: fez uma padaria. Era um bar que deram uma melhorada, começaram a servir pãozinho, cafezinho, virou uma padaria. Como fez a padaria, uma das pessoas que era até frequentador lá, seu José, que é que ele fez?

Ele pegou, ele mesmo fez, não essas bancas de jornal convencional, ele fez uma banca de jornal ali, só que ele tinha problema de alcoolismo, bebia muito, e eu comecei ajudá-lo, comecei a trabalhar pra ele. Eu ia pra escola, voltava e ficava lá na banca. Depois à tarde ele vinha, eu dava o dinheiro dele, ele dava o meu e estava tudo bem, resumo, foi isso: eu trabalhei nessa banca dele mais ou menos uns dois anos. No final, a banca já era quase minha. A pessoa que tem esse problema de tomar tudo vai perdendo um pouco da consciência, a forma de ser. Então, de manhã, jornal tem uma coisa muito séria, você tem que sair cedo pra pegar, hoje não, hoje tem aquelas peruas que distribuem, mas lá não ia. Lá no Mandaqui não ia porque era de terra, aquele negócio, o asfalto vinha até a padaria, depois não tinha mais. Aí, que é que eu fazia? De manhã ele não tinha condição de vir, às vezes na noite anterior tinha tomado um pouco a mais, essas coisas, não levantava.

Eu comecei a vir aqui na Barão de Limeira, pegava o jornal O Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo, depois ia aonde é o Diário Popular, que ali é muito antigo também, e lá você pegava o Diário Popular e o jornal que hoje em dia nem sei se tem mais, Diário da Noite. Pegava o ônibus até lá na padaria, que o ônibus ainda não descia lá embaixo, dali descia a pé, colocava o jornal lá e beleza, passava o dia todo vendendo. Isso até o horário de ir pra escola, eu ia pra escola e ele vinha, ficava. Depois eu voltava do colégio, ia almoçar e aí acabou com parte da minha infância. Eu comecei a trabalhar muito cedo. Era o horário que eu devia jogar bola, bolinha, mas não podia ir mais, mas era legal.

CLIENTES DA BANCA

Tinha os moradores ali, seu Zelão, que era uma família tradicional ali onde eu fui criado, pro seu Álvaro, que era o dono da padaria e o dele tinha que estar ali todo dia, e ali tinha poucas casas, não tinha muita coisa, tinha a igreja lá em cima, começou-se a vender até pro pessoal do Conjunto dos Bancários, depois eles fizeram tudo lá. Mas o pessoal vinha buscar jornal ali porque não tinha outro lugar pra ir. Quem morava até na parada Pinto, na Vila Amália, quem morava na Pedreira ali que faz parte do Lausane Paulista e até um bom pedaço, quase no Santa Inês, tinha de vir ali, ou teria que subir até lá em cima na Flor do Mandaqui, na Zunkeller, que era lá em cima Ia andar dois quilômetros a mais quase, então ia ali e comprava.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Eu trabalhei até 11 anos ali. Com 12 anos eu passei a ser office-boy, fui trabalhar, foi papai que arrumou pra mim. Como ele tinha muito contato com esse pessoal de trator, porque papai além de tratorista era mecânico, ele tinha um amigo dele que vendia peças pra trator, e ele tinha uma lojinha na Brás Leme, aqui na Casa Verde.

Eu cheguei a ir em oficinas, as oficinas a maioria era em Guarulhos, então o que é que você fazia? Eu trabalhava numa loja de peças, nem sempre o comprador vem buscar, então alguém tem que levar. O patrão não ia levar, o sócio dele não ia levar, sobrava pra mim, mas eram peças pequenas, porque as peças maiores alguém ia entregar de carro ou de caminhão. Era gostoso, levava, meio pesadinho, mas você parava pra descansar ou às vezes você queria ir mais rápido, quando você ia correndo era pra fazer bagunça, né, você ia rapidinho, entregava e ia pro cinema. Era legal. Ia sempre de ônibus. Os ônibus eu acho que saíam da Ponte Pequena, não me lembro direito. Sei que eu pegava um ônibus, acho que era o Parque Moreira, ele atravessava tudo, Guarulhos todo, e me deixava já nas oficinas, que oficina é sempre bairro, nunca é centro. Eu trabalhei até uns 16 anos, eu fiquei nessa empresa.

Aí eu fui trabalhar com um tio meu, só que fiquei pouquíssimo tempo lá com esse meu tio, que me dava muita bronca. Voltei pra mesma Cetrac e fiquei. Foi quando eu comecei me envolver com esse negócio de vendas. Como eu vendia jornal eu sentia que gostava mais era de outra coisa, de não ficar carregando peça. Eu queria outra coisa. Lembrei de venda de jornal, falei: “Pô, podia fazer isso, né?” Até pensei nisso, mas depois falei: "Não, não quero, vender jornal, não quero não." Papai estava mudando pra Itaquaquecetuba, que é uma cidade vizinha de Arujá. Foi trabalhar num porto de areia ali e eu fui trabalhar lá. Comecei a estudar em Mogi na faculdade, foi quando eu entrei na minha primeira loja de móveis. Minha irmã já trabalhava nessa loja, ela era auxiliar de escritório nessa Casa de Móveis Itaquá. Era de um turco que tinha quatro lojas, duas em Itaquá, uma em Suzano e uma em Jacareí, a Conde dos Móveis, tudo desse mesmo turco.

Aí eu trabalhei um mês, ele até gostou de mim. O gerente de Suzano vinha todo sábado, Raimundo Nonato Lemos Garcia. Então o Nonato veio num sábado, me viu, não sei que é que ele achou de mim, foi lá conversando e ele tinha demitido um vendedor dele, ou tinha saído um vendedor em Suzano. E o Nonato falou: "Vamos lá. Você vai aprender comigo.” Fui pra lá, pra Suzano, na Guaió Móveis. Era uma lojinha minúscula, pequenininha. Mas era uma lojinha gostosa porque Suzano é um lugar de muito japonês, ali o pessoal que mora em Suzano, Mogi, a colônia japonesa é muito grande, tem muito chacareiro, granja. Comecei trabalhar, a gostar realmente do negócio. Fui indo e depois de um tempo eu passei a ser um bom vendedor. Eram três vendedores: era eu, o Eduardo e o Airton.

A gente criava aquela competição entre a gente, por exemplo, digamos se fosse hoje, uma loja tem que vender 30 mil reais, então cada um tem que vender dez, mas um sempre quer vender mais que o outro e eu cheguei a ter uma época que eu comecei a pegar primeiro lugar. Trabalhei ali cinco pra seis anos. Foram dois anos como vendedor, depois eu voltei pra Casa de Móveis em Itaquá. Fiquei um mês, de vendedor já passei a ser gerente. O Nonato saiu da empresa, eu voltei pra lá e fui gerenciar a loja de Suzano. Fiquei gerenciando essa loja uns dois anos, foi quando eu saí de lá que eu recebi um outro convite. Fui fazer uma compra na Tamakavy de Suzano.

A Tamakavy era uma empresa que acabou, era do grupo Sílvio Santos. Fui comprar um liquidificador, que era presente de Dia das Mães. Fui pedir um desconto pro gerente da loja e começamos a bater papo: "Ô, você não quer trabalhar aqui na Tamakavy? Estou precisando de vendedor aqui." "Ah, não sei, depende, se eu for ganhar mais." E ele acabou me provando por A+B, depois foi uma mentira, mas ele, no papel, me provou por A+B que eu tinha condição de ganhar mais aí na Tamakavy e tudo bem. Eu fiquei dois anos nessa loja de vendedor, mas depois o rendimento começou a ser legal, o pessoal começou a gostar, eu fui transferido pra Tamakavy da Lapa, a Tamakavy tinha coisa de sessenta e poucas lojas, hoje essas lojas foram todas compradas pela Casas Bahia. Eu vim trabalhar na Lapa. Fiquei de vendedor na Lapa durante mais dois anos e qual foi surpresa? Fui promovido, mas pra gerente da Tamakavy de Suzano, onde eu comecei como vendedor. Eu até fiz um trabalho legal, fiquei um ano e meio gerenciando. Aí me puseram na loja do Tucuruvi e foi quando eu saí da Tamakavy.

COMISSÕES E INCENTIVOS

Todo vendedor é comissionado. Varia muito de empresa pra empresa. Veja bem, a Clamoi tem uma coisa boa, ela estimula muito o bom vendedoR.

Que é que a pessoa quer? Ele começa como vendedor, ele não vai querer ficar de vendedor a vida inteira, ele vai sempre galgar uma coisa melhor. É o que eu passo, todo lugar que eu trabalhei, eu sempre passei isso pro meu vendedor: "Amigo, eu não quero ficar aqui a vida inteira, ou eu vou pra um lugar melhor nessa própria empresa ou eu vou pra uma empresa que eu vou ganhar mais dinheiro, agora você também não pode ficar nessa aí só, só vendendo." Então todo vendedor é isso. Ele vai sempre correr atrás de ser gerente ou melhorar um pouco a sua posição na empresa. Agora, as empresas têm incentivo.

A Tamakavy a cada seis meses fazia um concurso, mas isso era pra loja, a loja da Lapa ganhou um carro uma vez, a de Suzano ganhou uma moto, a de Santo Amaro também ganhou um carro. A Clamoi, há tempos atrás, a comissão da Clamoi era um "x" e além da sua comissão, se você vendesse, digamos, à vista, além da sua comissão normal, você ia no caixa e você tinha meio por cento daquela venda. Tinha um outro tempo, um outro tipo de venda que veja bem, a venda a prazo pela financeira. O que é que as financeiras fazem? Pro lojista ela paga à vista, então se você vendesse também pela financeira você tinha mais meio por cento. Então isso aí era mais um tipo de incentivo. A Clamoi dava muitos prêmios, tinha muitos jantares. A cada três meses tinha um jantar na Clamoi, era aquela farra gostosa. Lá você recebia, digamos, o prêmio que você ganhou naqueles três meses. Eu ganhei uma sala de jantar na Clamoi do Jabaquara, essa Clamoi do Jabaquara quando eu fui gerenciar.

TRAJETÓRIA NO COMÉRCIO – CLAMOI

Quando eu fui gerenciar essa loja, fiquei durante cinco meses consecutivos, primeiro lugar da empresa, e nesse ínterim, o prêmio a essa sala de jantar pro melhor gerente na época. Eu acabei ganhando a sala de jantar. O meu vendedor, o Vicente, que hoje é gerente lá, ganhou uma cama. Meu outro vendedor também pegou segundo lugar, ganhou uma cama de solteiro e um colchão. Era gostoso, eu achava legal. Hoje em dia cortou um pouco isso. Pegaram esses premiozinhos, essas coisas, passou tudo pra comissão. Então a comissão aumentou. Se ela era 3% agora ela é 5%, mas também essa coisa folclórica, gostosa, acabou.

Fui demitido da Tamakavy em 1984, 1985. Eu estava gerenciando a Tamakavy de Tucuruvi, e eu não gostava do bairro. Mas pra me transferirem de novo pra Lapa só se eu voltasse a ser vendedor, e na Tamakavy não podia fazer isso. Me arrumaram uma outra loja em Carapicuíba, mas eu também não quis. Daí acharam que eu estava criando uma coisa e outra e acabei saindo. Até discuti com um dos diretores, o seu Milton, hoje é até meu amigo, mas tudo bem, nós rachamos o pau aquele dia e xinguei até a mãe dele. Saí e que é que eu fui fazer? Tinha que ir na Rua Jaceguai, onde eram os escritórios de todo o Grupo Sílvio Santos.

Eu saí, fui lá receber, me mandaram para um banco na Faria Lima, lá em Pinheiros. Eu fui lá, acabei nem recebendo porque não podia ser naquele dia. Mas ali, Teodoro Sampaio, Avenida Brigadeiro Faria Lima: "É, eu vou andar um pouco aqui", de bobeira, e comecei subir a Teodoro. Foi quando eu descobri que a Teodoro Sampaio não tem pastelaria, pode procurar. Fui subir ali porque eu queria comer um pastel. Andei, andei, porque a Teodoro Sampaio não é pequena, dali do Largo de Pinheiros até a loja, até onde tem a Clamoi, na Virgílio de Carvalho Pinto, dá uns 15 minutos andando legal. Olhei prum lado, pro outro, nada de pastel, boteco tem de monte, boteco é o que não falta. Comecei a ver aquele monte de lenha, eu nunca tinha visto.

Um móvel rústico, colonial eu nunca tinha visto na minha vida, minha mãe tinha aquele guarda-roupa que foi do meu avô, mas pra mim não tinha valor nenhum aquilo. Comecei a ver aquele monte de lenha, móvel sem acabamento, eu falei: "Que coisa horrorosa, os caras não têm gosto". Passando em frente à Clamoi, subindo, atravessei a Fradique Coutinho, continuei subindo e passando em frente à Clamoi tinha uma placa: “Precisa-se de vendedores”. Quatro horas da tarde, sente o drama, horário de procurar emprego! Mas eu não estava procurando, a realidade é essa, eu não estava procurando. Entrei lá, o gerente estava de férias. "Com quem que eu falo a respeito dessa vaga?" "Não, está difícil, só tem o subgerente”. Tinha o Oliveira, que era o subgerente. Ele olhou pra minha cara: "Você é vendedor?" Eu falei: "Sou, na medida do possível." "Tá legal." Aí descemos lá embaixo no departamento pessoal, um japonês, chefe do departamento pessoal, eu olhei pra cara do japonês e falei: "Não vai dar certo."

Aí ficou os dois olhando minha carteira profissional que eu falei: "Que é que é? Precisa ou não precisa? Tem a placa lá. Se não precisar, eu vou embora. É só vocês me falarem, já preencheu esta, tudo bem." "Não, não, não, é que está aqui, você era gerente na outra." "Não, esquece isso, tem a vaga de vendedor?" "Tenho." "Posso?" "Pode." "Dá pra ganhar quanto mais ou menos?" "Ah, depende de você." No outro dia eu vim trabalhar. Os móveis não tinham nenhum acabamento. A Clamoi tem isso, então o que acontece: o cliente vai e escolhe a cor que ele quer o móvel, já se deixava no osso, como a gente chama, sem acabamento pro cliente escolher a cor que queria. E que é que acontecia, eu fiquei ali, falei: "Pô, que é que é isso?"

Pra me confundir mais ainda, o Oliveira, que era o subgerente, veio me explicar: "É assim: você trabalha esse móvel e tem tipos de acabamento." Eu falei: "É, que tipo de acabamento que tem esse móvel?" "Essa madeira dá pra deixar ela no natural. Castanho claro, castanho médio, castanho fosco, com brilho, sem brilho, com meio brilho." Eu falei: "Não, pára, não entendi nada." "É, não vai ter jeito, você vai ter que demorar uns dias aí pra aprender." "Está bom." Fiquei colocando etiquetinha na mercadoria pra conhecer melhor a coisa, passei um dia inteiro assim, perturbando todo mundo. Fiquei uma semana nesse esquema. No sábado, o Manoel voltava de gerente, o que estava de férias. O Oliveira falou: "Você vai ter que ficar pelo menos uns dez dias aprendendo." Mas como voltou o Manoel e o Oliveira era o sub, então ele mandava, mas não mandava muito. Eu já peguei um talão de pedido: "Ô, seu Manoel, tudo bem?" "Tudo bem." "Eu sou novo vendedor." "Eu não sabia se você estava vendendo ou não."

Sábado aquela loja vira um inferno, é o dia que todo mundo gosta de ir. Às vezes, quando eu posso conversar com cliente, eu explico: "É o pior dia de você de você ir na loja." Que ele é mau atendido, porque não dá tempo de você pegar o cliente e atender direitinho. Então, peguei nesse sábado e fui à luta, peguei o talão de pedido, uma tabela de preço, o que eu não sabia: "Que é isso aqui?" "Ah, isso aí é uma arca." "Arca? Está legal." E só mandando bala, comecei a vender naquele dia, e daí por diante eu estou até hoje, isso foi gostoso, o começo na Clamoi foi uma delícia.

RUA TEODORO SAMPAIO

A Teodoro é da Fradique Coutinho até a Doutor Arnaldo. Mas o forte mesmo é da Fradique até a Henrique Schaumann, ela é a rua dos móveis hoje em São Paulo. Porque era São Bernardo do Campo, São Bernardo que era local dos móveis, aquela coisa toda em São Paulo, porém, com o decorrer do tempo, São Bernardo passou a trabalhar com linha reta e deixou um pouco de lado esse negócio de móveis de estilo. A Teodoro Sampaio cresceu muito, hoje não tem lugar pra montar mais nada. Se quiser fazer alguma coisa, tem que derrubar e construir que não dá pra fazer mais nada. Da Fradique Coutinho até a Henrique Schaumann são as melhores lojas. Ali você tem a Clamoi, você tem a Amazonas, tem a Atlântica Colonial. Você indo pra São Bernardo tem ainda as lojas tradicionais, só que essas mesmas lojas que é que fizeram? Passaram a linha reta, então linha reta você encontra em São Paulo inteiro, linha reta você vai aonde? Você vai no Mappin.

A Teodoro Sampaio não tem linha reta, até tem uma lojas ali, depois que você passa a Henrique Schaumann você encontra, mas o forte é o rústico colonial e o móvel de estilo. Se você entrou, chegou na Fradique, pode estacionar o carro tranquilamente. Deve ter mais ou menos umas 500, 600 lojas. A Clamoi que começou com esse negócio de rústico, porque colonial não tinha. Então o seu Moisés que começou a implantar esse negócio. A primeira Clamoi começou a vender móveis, umas camas, uns guarda-roupas, só que ele começou, partiu pra essa linha. Aí abriu-se a Atlântica Colonial, que hoje não mexe mais com isso, mas a Atlântica já trabalhou com rústico colonial durante muito tempo. Então era o seu Moisés ali com a Clamoi e a Atlântica também pequenininha e foram surgindo outras lojas. É loja que não acaba mais. CLIENTES Vem gente de diversos lugares.

Na Teodoro Sampaio, o que acontece é o seguinte: a pessoa faz ideia de que ela pode comprar se ela tiver muito dinheiro, mas não é isso, a realidade não é essa. Tem pra todos os gostos e pra toda faixa salarial. É lógico que a pessoa não vai chegar lá e escolher o melhor guarda- roupa que tem. O cliente mesmo é aquele que mora em Jardins, é Morumbi, Santana compra muito. Onde mais vende, principalmente agora, nessa temporada, é litoral e interior. Porque veja bem, pro litoral, tem que ser imbuia, não adianta você levar outro tipo de móvel. O litoral tem um problema de maresia. Como maresia corrói tudo ali, eles preferem a imbuia. O pessoal vem aqui, compra o móvel de imbuia e levam pra lá. No interior, é a mesma coisa, o pessoal gosta porque você tem um sítio, uma fazenda, uma coisa assim, então você não vai levar móvel de cerejeira, você tem que levar uma coisa mais rústica.

SÃO PAULO ANTIGA

São Paulo era gostoso, você podia andar qualquer hora, não tinha assalto, menos violência. São Paulo era mais gostoso. Era mais o centro velho. Não tinha nada de Paulista, Paulista tinha, mas não era o que é hoje, era uma Paulista uma avenida comum. Tinha-se aqui a Estação da Luz, tinha muita coisa na Cásper Líbero, na Praça do Correio, na Avenida São João. O Carnaval era feito na Avenida São João com o Vale do Anhangabaú, era gostoso. Os prédios acho que não eram tão altos. São Paulo era uma delícia, apesar de que eu ainda gosto, do jeito que é eu gosto, eu adoro São Paulo.

SONHOS

Que sonhos eu gostaria de ter? Não sei, eu vivo muito em função de sossego, de paz, meu trabalho e sossego, só isso. Eu quero ter uma loja minha, não sei se um dia eu vou conseguir, talvez até consiga, batalhando um pouco mais.

REFLEXÕES SOBRE A ENTREVISTA

Eu nunca tive uma oportunidade dessa de falar nada de mim e adorei, gostei. Eu até agradeço, com sinceridade, eu adorei.

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